Sei que a intenção é boa, que a revolta tem uma substância civil autêntica, então se sentir ofendido com as palavras seguintes advirto que se trata de debate, de opinião, nada pessoal: mas um dia gostaria de ver alguém que espalha aqueles memes dizendo que irá deixar de trabalhar para viver com o bolsa família e/ou auxílio reclusão e/ou o recente auxílio aos viciados em crack deixar sua vida de classe média/classe média alta (palpito convictamente que 90% dessas mensagens vêm desses nichos) para viver no bairro e na casa de quem ganha bolsa família, viver como vive um viciado em crack (morar na rua e ser invisível para a sociedade e cair nas drogas é quase como não seguir um regime no contexto da classe alta em termos de tentação e falta de autocontrole) ou passar uma semaninha na cadeia ganhando esses nem mil reais por mês: QUERIA VER DEPOIS DISSO SE ARRISCAR A OPERAR O PAINTBRUSH PARA FOMENTAR MAIS UMA DESSAS MENSAGENS SEMIFASCISTAS.
É engraçado que quando uma pessoa que não tem o que comer nem onde morar (e não raro não teve nenhuma chance de mudar isso) passa por nós na rua, ninguém se impressiona que se trate de um ser humano; a surpresa vem somente quando esse círculo vicioso culmina nalguma agressão à límpida e segura rotina do pagador de imposto, que se revolta e exige rigor máximo contra aquele animal que lhe incomoda, ao passo que reclama brandura a qualquer preço na cobrança de seus impostos (sonega, inventa consultas, divide a antena da TV).
Evidentemente não falo de casos extremos, pois não temos de nos basear nas exceções, embora não possam de maneira nenhuma ser desprezadas. Mas a generalização revela uma falta de empatia quase inacreditável para o nosso nível de civilização, uma blindagem da própria pele, preguiçosa, acomodada, sem a delicadeza originada no nosso polegar opositor, sem a relatividade incontornável cercante de todo assunto.