Sei que há assuntos bem mais relevantes no momento (aliás, sempre há, comparativamente ao assunto a ser tratado sempre há, só a existência da Faixa de Gaza garantiria isso, ainda que me refire à relevância aqui relativamente o que é digno de se discutir seriamente, porque, sabemos, a relevância é uma questão relativa e particular, como quase tudo), mas falarei de esporte, de futebol.
No esporte, especialmente no futebol, erige-se uma blindagem moral na condição de torcedor que nos permite exorcizar todo bairrismo, sensacionalismo, parcialidade e preconceito que seriam hediondos se praticados na vida real.
No fim das contas, sempre foi nas arenas que o povo mais vociferou seus julgamentos mais rápidos e impensados, exercitou seu lado deslumbrado e se permitiu manipular. Ou talvez pelo menos nelas, nas arenas, é onde esse instinto de massa nunca foi problema.
Vi um vídeo de um fato ao qual não acompanhara à época: no campeonato brasileiro de 2010, após o jogo Cruzeiro e Corinthians, o técnico Cuca bateu na mesa durante a coletiva de imprensa, quase chorando, emocionado; no meio da sua entrevista, eles recuperaram o lance que lho indignou: um pênalti mal marcado em cima do Ronaldo, que minutos depois converteu a penalidade e levantou seu dedinho comemorativo.
O que me espantaria, não fosse o que justifiquei anteriormente, é que não ficou na boca do povo a injustiça gritante (e talvez, ou provavelmente, dolosa), mas a reclamação do Cuca, que foi ridicularizada: Cuca é chorão; Ronaldo, foda.
É como se o mandato fosse ainda dos deuses gregos, corruptos, que promoviam o destino por favores, forjavam heróis; ou ainda a dinâmica dos bandos animais, onde um alfa leva tudo e o restante fica com a sobra. Como se esses deuses, ou curiosamente seus inversos evolucionários – então esses primatas -, comandantes do destino (eram os deuses cartolas?) quisessem a imagem na TV de um Ronaldo decisivo triunfando, a qualquer preço.
Mas o Ronaldo, logo o Ronaldo precisava disso? E nós somos tão fanáticos pelos vencedores a ponto de os assim considerarmos mesmo a qualquer preço?
Pois falando em preço, as premiações não são reflexos dos merecimentos: não necessariamente os melhores filmes levam o Oscar (aliás, na minha análise crítica, isso é raríssimo acontecer).
Foi sim, como o Cuca disse à época, um trabalho posto abaixo, era de se chorar mesmo, era de quebrar tudo mesmo.
E a reação a isso talvez separe quem aprecia o esporte de quem aprecia (consome) o espetáculo.
Esta dissertação somente surgiu por ter se germinado num lampejo de seriedade em meio à dominante descontração com que o assunto é tratado, à qual costumeiramente acato. Essa exceção que permitiu originá-la é para explicar a outra exceção seguinte: eu, conscientemente praticando meu teor de irracionalidade num tema não tão importante, sempre detestei todos os times que não o meu, a ponto de torcer por argentinos em vez de brasileiros, a ponto de afirmar, evidentemente com responsabilidade proporcional à plausibilidade, que se jogasse inter vs. Nazistas, eu torceria pelos nazi; inter vs. Caçadores que Matam Tigres para Fazer de seus Caninos Viagras Placebianos, eu torceria pelos criminosos. Secar o próximo, sempre, eis o mandamento. Mas hoje, inda que o Ronaldinho (e é mandamento tricolor gaúcho detestá-lo) esteja no lado deles, minha torcida, especialmente devido ao já há anos merecimento do trabalho do Cuca, será pelo Clube Atlético Mineiro. Torcerei sim, não como se fosse o Imortal, mas como se fosse o Brasil, hoje dar-me-ei o luxo de relaxar mentalmente e não questionar a chamada galvãoziana da Globo – hoje o Galo vingador é o Brasil: yes, we CAM.
[O vídeo em http://bit.ly/cbnqOa]