Shyamalan, além de transformar árvore nalguma coisa ameaçadora, um professor secundário de tênis brancos em herói, transformou uma equação exponencial em terror.
E tendo saído do cinema acostumado ao medo, reagi com ele ao que seria de candura, de desânimo da alegria.
Pois foi como terror com trilha sonora aguda que rememorei das penas que me deram ontem, em dois momentos isolados da tela escura da televisão para folgar do sol bonito demais do dia claro.
Rapidamente:
Na TVE, o caranguejo pobre movia lentamente as patas e tirava uma formiga, depois voltava e tirava outra, enquanto neste hiato eram dezenas ou dezenas de milhares as que, após descobrirem um ponto fraco entre suas juntas, nas quais a carapaça não o salvava, na alcunha de soldadas lhe raptavam os membros sem lhe raptar a vida ainda.
No Faustão, num quadro de humor, um humorista tinha de atingir um índice num aparelho virtual ao qual chamavam risômetro, e os segundos foram se indo, o índice não atingido, ele gaguejou e pediu desculpa.
Usando da bizarrice e dos gêneros como arma para ambigüidade, mergulhamos numa experiência áudio-visual sensorial (ecos do domingo passado) de arrebatamento, seja pelo terror, seja pela esperança. E embora ríramos, embora nos comovêramos, pagáramos e batemos palmas também para sentirmos medo. Tudo é do espetáculo (no melhor sentido da palavra, no sentido de aplaudir em pé num teatro).
Mas do medo extrai tudo contíguo a ele: assim a coragem, a imperfeição. Nas tais transformações que falava, Manoj Nelliattu faz com que as esperança e pessimismo brotem da mesma terra.
Então sentir medo é bonito.
E de ver não ser o que se é por importância tanta a alguma coisa – gaguejar, ficar nervoso – como de ver algo só e vivo acompanhar a própria morte e mesmo assim tenta escapar, numa certa inocência, numa certeira impotência.
E por coisas assim a piedade normal e estranhamente nos repleta o espírito.
E tanto é espetáculo que a imagem isoladamente de um caranguejo submetido a um ataque coletivo de formigas é de fluidez tão harmônica que bela, se nos despirmos da amizade que fazemos com o caranguejo.
Então se a apego inútil enfeie a música do espetáculo, talvez seja um mal este cuidado, pois o mundo tem de ir para frente e aos vencedores as batatas.
E talvez assim se encha o peito para que dê alívio a esta pena que se dá, as notas altas de suspense, e o coração precisa ser mimado, sentir-se útil, quando o resto todo sabe que aquilo é assim mesmo.
Mas deixemos a selvageria aos animais.
Aplaudamos também os que fracassam.
Que no fim são espetáculos todos. São nomes (fracasso e sucesso, medo e coragem etc) que a gente fica dando. Que a gente fica girando a mesma moeda. O coração só se enche e se esvazia, e algumas coisas aceleram, desaceleram ou impedem este processo.
Bonito é sentir.
eu também costumo me apiedar do caranguejo. isso deve ser bom.
ResponderExcluirsorry..meu comentário foi enviado antes da hora e todo truncado..vou repetir e vc pode deletar o anterior, por favor?
ResponderExcluirOi..estava com saudade ...mas ando tão perdida em minhas horas, que tenho deixado de fazer o que gosto, como ler você, por exemplo..mas atualizei a leitura..não vou comentar uma por uma, só lhe dizer que sempre saio daqui encantada com a facilidade que você tem em lidar com ideias e palavras...é um prazer ler você.
beijo e dia felizes
[...] 2) THE HAPPENING (Fim dos Tempos), M. Night Shyamalan [comentário] [...]
ResponderExcluir