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quinta-feira, 29 de maio de 2014

(Letra/Música: Che/Korda)

(Letra/ Música : Che / Korda)

Sobre alvíssimo
uma janela se abriu pelo tempo suficiente para
que cada fio de luz marcasse sua cara
em prol de uma cara maior.

Não era um papel
(nem camiseta, biquíni, adesivo),
era o rosto.
Tampouco este,
face haver faces ali.

Ele poderia estar piscando, gargalhando,
irritado, em dúvida ou fazendo uma careta,
o cabelo mexendo, o charuto na boca,
uma brincadeira com o charuto usando a careta.

As possibilidades que antecederam e as que se seguiriam.
O mistério: igual.
A fúria: igual.
A felicidade: igual.
Todos iguais num berçário.

Hoje em dia não há tempo para igualdades,
o que repete ou se repete fica um só, o resto se elimina.
Um só representando. Ali, ele.

Ali, ele e o potencial do riso, de fúria, de surpresa.
A voz do povo no linguajar de deus.
Na face séria, as faces todas repousadas,
podendo serem a qualquer momento.

O longe: para receber o olhar;
o botão: para receber o dedo:
a morte de cada fio de luz por uma vida maior,
morta por uma vida maior.

Uma vida menor ante uma bandeira
(camiseta, biquíni, adesivo).

E nós, com a inteligência superior à da fotografia,
no Olimpo de mover-se,
vemos os adultos mortos que na vida da foto
nem nasceram ainda,

que morreram em outubro, nove do dez de sessenta e sete,
mas reencarnaram seus espíritos
sob a forma de outro corpo:
1968

(Poema escrito por volta de 2004, 2005.) 


domingo, 18 de maio de 2014

18/5, 9 para as 9

Luísa, menina,
antes você era uma ecografia
"é menina", "será Luísa"
agora você é,
você já na terra,
tua consciência em expansão inflacionária

Saiu de uma barriga que era um mundo
para exibir sua barriga própria ao
nosso mundo, a barriga e todo o resto
rosa, aliás

Hoje é um dia
igual para quase todo mundo
alguns almoçaram num restaurante
outros foram ao cinema
outros amanheceram com febre
outros se mudaram
outros se casaram
outros foram ao shopping
alguns disseram que começarão uma academia
mas você, você nasceu!

Já há alguns meses
nós te imaginávamos,
a tua imagem
à imagem e semelhança
dos genes dos teus pais, meus queridos irmã e irmão,
da nossa família de tantos tão queridos
que já não estão por si, mas estão por deixarem
para ti alguma compulsória orientação
de como ter uma orelha, de como se comportar, a que altura crescer, alguma cor
para ti e que de ti será deixada,
como tua mãe foi filha, e a mãe dela, avó, e a avó dela, bisneta

(em honra também
da vida do teu irmãozinho
que não conheceu o ar,
mas que agora tem todo espaço do mundo,
que agora pode tudo e por poder
ele lhe manda uma estrela*
(*ser-nos-á sempre uma brilhante))

Bem-vinda ao
nosso mundo
Saia e fique à vontade
há tanto que você pode fazer!

À luz, Luísa:
você já existia
mas agora você existe.


[Em homenagem à vinda à luz da minha sobrinha Luísa, nascida às 8h51 de domingo, 18 de maio]

sexta-feira, 16 de maio de 2014

sob/re criar






"(...) entre a parte que domina/ e a parte que se rebela,/ entre o que nela cavalga/ e o que é cavalgado nela, (...)" [João Cabral de Melo Neto, ensaio para uma bailadora andaluza, § 2]

"A criação é divinda; a execução, servil." [Atribuída por aí a Leonardo da Vinci.]


Há imagens que se criam como vômitos; outras, como projetos. Outras tantas, talvez a maioria, como uma lógica mistura de ambos (poucas coisas não são misturadas no nosso mundo – fundamentalmente, aliás, nosso mundo vem da mistura). A diferença entre a puramente vomitada e a projetada (ou parcialmente projetada) é que a projetada não pode ter o formato espontâneo do vômito, ela necessita da resolução de uma série de problemas, geralmente demandantes de um excedente temporal (tempestivo sob a escala de todo o processo) relativamente ao ato inspiratório – o qual, no caso do vômito, é imediatamente expressado, posto para fora.

A inspiração e/ou idéia para um soneto pode surgir impetuosamente, mas será preciso engendrá-la no formato de quatorze versos regulares; é sim uma vontade, uma missão, uma visão, o compartilhamento epifânico, mas é preciso encaixá-lo na rima e na métrica nos seus respectivos (e cabem-se do mesmo modo misterioso, encoberto - para que seja descoberto) tercetos e quartetos. É a diferença entre um soco na cara de quem lhe importuna versus a missão de construir uma arca – há algo de descobrir na montagem do soneto (que segue sendo aqui um exemplo), como dizem dizia Michelângelo extrair do mármore o que já estava lá, como um cão farejador que cavava com uma técnica primordial.
O soneto como um vômito organizado - ou como alguma outra excreção regular carente de processos fomentadores.

(É tudo muito parecido: esculpir, arquitetar, dar forma matematicamente precisa a um embalo mental etc., ou mesmo a construção experimental - trata-se de uma paradoxal síntese de extração e acúmulo, uma extração do acúmulo, um acúmulo de extrações; síntese de inspiração e trabalho, de liberdade e disciplina.)

Já há uma taxa de organização no sentimento vomitado que é escrito (ou pintado, ou musicado etc., enfim, manifestado, ficarei no “escrito” para fins de exemplo), já que ele não era um escrito originalmente, mas a reação imediata para congelar a pulsão mental traduzindo-a (mesmo que de origem emocional, processa-se no cérebro, ou onde quer que esteja espalhada a mente) - a não ser quando se vomite epistemologicamente, fruto isso da nossa evolução linguística, de pensar textualmente, quando o enjôo precedente ao vômito (pleonasmo dizer dele compulsório) não tenha sido uma sensação abstrata a ser traduzida, mas a própria forma pronta, pensada já na própria plataforma, especificamente. Para não sair do exemplo escrito, uma metáfora da versão inspiração-planejamento repousaria suavemente num retrato falado da vaga lembrança do que repletou a mente na sua própria linguagem multidimensional (sem margens, sem limites cartesianos).

(Essas forjadas diferenciações só existem na esfera material, já que na mente os processos geradores são inclassificáveis, o vômito, qual a ejaculação, pode ser apenas a catarse de intricadas sucessões que se complexaram indeterminadamente.)

Falo-o porque trabalho concomitante e diuturnamente (em pensamento, e quase idem em trabalho efetivo, de execução) num soneto de hendecassílabos e no trabalho da imagem abaixo, construída no que por ora se vê, construindo-se já há algumas semanas (talvez duas passando para três) e que continuará a ser construída até o seu momento de abandono borgeano, e seguirá inda viva numa versão pictórica – oficialmente o visto a seguir é um dos meus preparatori (seus cento e tantos por outros cento e tantos centímetros tornar-se-ão uns 144 x 188 cm na tela de algodão) – e trata-se de um momento soneto, é definitivamente um soneto visual:
 
  
 
 
 
 

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Sobre trabalhar


Um escrito numa folha do diário aberto de minha esposa, provavelmente escrito entre 2002 e 2004. Uma clássica do Dia do Trabalho que sempre compartilho no Facebook e afins é esta aqui ó


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