A Astrologia é incrível. A afirmação, que parece vinda de um surfista ou uma atriz global (a quem geralmente qualquer elogio pode ser substituído por “incrível” no vocabulário), se considerada literalmente, é a opinião de alguns céticos (os céticos acham Deus incrível). Administrar doses de ceticismo é sempre útil, mesmo para os místicos, a fim de que não se banalize o mágico, que realmente existe, mas não é tão fácil e romântico quanto a forma a que geralmente o submetem. Eu, embora respeite os que pensem assim (e não digo que não vá voltar atrás lá na frente), não acredito que Jesus tenha ressuscitado (sou da linha de pensamento crente que os apóstolos esconderam seu (“Seu”, aos que preferirem) cadáver e começaram daí a bola de neve que virou o Cristianismo), mas acredito que seu (“Seu”, enfim) legado de gentileza seja igualmente grandioso, mesmo dispensando esses efeitos especiais apelativos. Já disse outrora: “Uma dose constante de iconoclastia sempre faz bem a fim de equilibrar o deslumbramento e euforia estimulado pelo sensacionalismo com que os assuntos são tratados num corpus coletivo. Beethoven não é Beethoven porque compôs surdo; é-o porque compôs o que compôs, com muito trabalho, desejo, esforço e inspiração” – para não me repetir, ofereço-lhes tal texto através do link http://www.joaogrando.com/2014/04/idolo-pedestal-individuo.html). Enfim, trata-se de observar um filhote de urso e diferenciá-lo de sua versão de pelúcia.
Dito isso, posso lhes afirmar com segurança que reconheceria entre cem, trezentos, mil o meu mapa natal astrológico. Asseguro que mesmo no ineditismo lho reconheceria. Semelhante confiança, embora compulsoriamente menos certa, já que não estou em outras cabeças que não na minha, tive em relação a mapas e relatos de outrem. Creio, então por experiência própria, na eficácia da Astrologia. Tanto quanto creio que as ondas de rádio e a da cor vermelha são feitas da mesma coisa, como creio que os férmions são muitíssimo menores do que os comprimentos de onda que se fazem visíveis através da cor violeta, como creio que o desvio para o vermelho observado daqui significa que o observado se afasta, que nosso universo expande-se, portanto. Normalmente os argumentos para explicar o porquê de minha crença na Astrologia ser uma tolice dizem que ela é generalista para que encaixemos as nossas especificidades nela, donde temos uma matriz que carimba que somente previsões vagas são feitas, que é do cérebro humano evoluído ver sentido nas coisas: indiretamente dizem que eu (e minha inteligência incluída) ingenuamente nos iludiríamos com truques como esses, que eu não perceberia minha combinação de características – probabilisticamente dificílimas de se repetirem – identificadas no meu mapa, as quais denotam desde traços de personalidade reconhecidos por todos até aspectos mais íntimos, ser apenas como um modelo casual ao qual eu selecionei o que me interessava. Inda que não faça sentido físico a maneira como os astros se relacionam pelo nosso específico ponto de vista terrestre, inda que o caminho do Sol pelo céu do nosso ponto de vista cubra mais e de forma diferente o que definiu-se como zodíaco pela observação babilônica, será que nosso conjunto de fés não pode formar algo? Vejo a Astrologia como uma invenção humana. Surgiu da observação celeste, mas evoluiu disso até tornar-se um sistema específico, uma linguagem, uma ferramenta, com suas regras internas e, dentro de si, coerentes, que se pode desenvolver puramente, mas pode se aplicar, condicionada a quem o faça, ao uso humano. Neste sentido, não é diferente da matemática (que da contagem de bois hoje comprova o funcionamento do Universo), das línguas (que dos grunhidos misturados a gestos hoje estrutura nosso raciocínio).
O método científico indubitavelmente foi um dos principais motores da nossa evolução. Assim como o aumento do cuidado com a higiene. Mas mesmo essas duas unanimidades têm seus efeitos colaterais. Precisamos de pés no chão: na conotação metafórica, com a segurança do método, mas também, na conotação literal, para sujá-los. Talvez perdemos muito desprezando o não comprovável. E não podemos nos afastar do que nos estreou como Sapiens: os nossos rituais, a nossa mágica, a nossa aceitação de mistérios que podem funcionar por si só, inexplicavelmente. (Até porque quem poria a mão no fogo dizendo que a física não provará a alquimia, no futuro?) Como se a nossa semelhança genética, em nível de espécie, fosse, porque provada por método científico, superior ao misterioso engendramento – rotulado apenas de casualidade – que levou primeiro a nossos pais se conhecerem, depois a escolherem a palavra pelo qual seremos chamados a vida inteira. Não sugiro com isso que se deva dar mais (ou mesmo igual) importância à numerologia em relação à ciência, tampouco que não haja charlatanismo, mas eu não desprezo conhecimentos e estudos milenares contrastando alguns maus exemplos de seu uso a matérias científicas já consagradas.
Para derrubar uma cultura construída com colaborações incontáveis através de gerações e em lugares os mais distintos, há milênios, o que os céticos fazem? Comparam vidas de gêmeos, verificam se previsões objetivas de astrólogos se cumpriram, testam a ingenuidade de pessoas (quaisquer) as submetendo a testes com soluções casuais abrangentes para provar que elas, como ratos de laboratórios, acharão suas especificidades ali contidas. Enquanto no Céu, que, pasmemos, não é, neste caso, nem a nossa atmosfera de azul claro privado tampouco o vasto vácuo incalculável sideral, mas apenas uma dimensão intangível, os Signos, com sua carne erigida por séculos e séculos embalados por milênios de sincronizada imaginação humana, evoluída de uma leve trama de saberes até, espessada pela fé das pessoas, tornar-se primeiro tecido, depois ossatura e finalmente corpo, o imponente Carneiro de Áries, a puríssima Virgem, a precisa e justa balança de Libra riem-se das bombas feitas de planilhas de Excel alimentadas por dados e porcentagens, lançadas por frágeis e perecíveis completadores de padrões e formulários, cuja crença no que conhecem vale-lhes por tudo o que existe e poderia existir. Como se o magnífico Centauro de Sagitário ou o conteúdo de magnitude e forma livremente voláteis da área do Aquário fossem desperdiçar suas energias para ajudar os que querem os (não) comprovar em vez de remeter seu conhecimento acumulado das nossas próprias mentes para ajudar algum espírito sincero que queira alguma esperança, alguma clarividência, algum autoconhecimento que não se baseie em padrões de amostragem. Como se nada além do comprovável nascesse conosco.
Meu mapa astrológico natal, cortesia de http://www.personare.com.br/.
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