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segunda-feira, 13 de outubro de 2014

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Deixei de capturar, num intervalo temporal menor do que um dia, um vídeo e uma foto, ambos deveriam ficar altamente curtíveis. Ontem a certa altura de uma travessia pelo pampa gaúcho, do ângulo da janela do ônibus a linha do horizonte passou a coincidir intermitentemente com as linhas dos fios dos postes de eletricidade, ou seja, dada as suas naturezas geométricas, a linha reta e permanente do horizonte era atravessada pelas linhas parabólicas dos fios, que portanto ora estavam acima, ora abaixo, ora colados à linha do chão encontrando o céu:  nada menos do que uma dança abstrata, mas figurando-se claramente numa valsa silenciosa e privada, exclusiva da minha visão (a maioria dos passageiros dormia àquela hora, eu mesmo pouco antes dormia também). Hoje, já não só fora de um confortável banco num ambiente climatizado conduzido por motores, mas também sob a chuva, movimentado pela força de minhas próprias pernas (numa ação burocrático de volta para casa), vi um morador de rua abraçando-se a um vira-latas: este parecia um humano, tamanho serenidade com que o fazia, sem lamber, sem estardalhaço; aquele parecia um cão, tamanha incondicionalidade do ato, que superava a chuva e a vergonha social, ali sentado na calçada no horário de pico, num carinho direto e puro, carinho não raro tão reprimido de desconfiança na nossa espécie – o fato de um parecer o outro denunciava o que eram: que não eram nenhum nem outro, mas apenas a mesma coisa, duas criaturas vivas cingidas por afeto.


Em ambos os casos, a bateria do meu celular acabara instantes antes desses instantes. Mas a da memória não.

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