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segunda-feira, 8 de setembro de 2008

o frio é fogo

Eu não sou de dizer eu disse, mas eu disse: não subestimem o inverno gaúcho (o sul-rio-grandense pertence ao termo gaúcho). Não subestimem a porra do inverno gaúcho. Não subestimem o magnífico inverno gaúcho.
10ºC. Frio, ainda que os gaúchos digam que dez graus não é nada, ou seja, que são muitos, por estarem acostumados a bem menos, a pouquíssimos.
Mas o vento deixa o frio dopado, na conotação atlética do termo, de melhor desempenho.
Como se num repente estivéssemos todos andando em motos. De tal modo que uma sacola voando não era apenas uma sacola voando, era uma sacola voando e com frio.


O frio: ele fenixosamente retorna sempre. Setembrão e o bicho pegando. O bicho tremendo. Nevando em cidades que não se viam sob neve há dezenas de anos.
Mas punk mesmo foi o do ano passado, um inverso sólido, intenso e constante (quase que os três significam a mesma coisa) de oito meses – costume novamente gaúcho de valorizar a história dos invernos (“no meu tempo o mau tempo...”).
O frio gera conforto nas pessoas justamente pela sua ausência, ou melhor, pelo seu isolamento ou neutralização.
Proteger-se do frio, da chuva os tornam coisinhas fofas “que chuvinha boa, que friozinho p/ ficar dentro de casa”, quando em verdade eles são devastadores. Queimam. São lâminas, ambos. Ou todos, inclui-se aí o vento, do que eu originalmente falava.
Estima-se assim o desconforto que seria estar lá os enfrentando, quando numa briga covarde se apela a paredes e calefações, usando destes termos aplicáveis a crianças, falando em cãezinhos quando tratamos com bestas.
Pois apenas se supõe. Somente se conhece o frio – e sua gangue - quem (aqueles que) o(s) enfrenta(m) (jogar bola na chuva, no inverno, por um exemplo, para não me reportar a problemas sociais que me levariam a desviar severamente o assunto). Aí é o frio desgraçado, maldito.

Só assim se pode saber (saborear, a sabedoria da etimologia) seu poder.
Por isso há tanta dor de cotovelo. A verdade tem de ser vista por fora, o valor tem de ser mensurado pela ausência, pelo tamanho do vazio deixado.
Conhecer o amor é sofrê-lo.

3 comentários:

  1. João,
    O frio lá pelas bandas do sul, é realmente frio. Não o subestimamos, pelo menos não eu. Palavra de gaúcha! :)

    "O frio gera conforto nas pessoas justamente pela sua ausência, ou melhor, pelo seu isolamento ou neutralização" -- essa frase me chamou a atenção. Será que precisamos do frio pra valorizar o aconchego?

    beijão

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  2. Talvez porque, no frio, a pele seja mais acariciada. Seja pelo toque da lã, seja de outra pele.

    E cantava o Marcelo Nova: este calor insuportável não abranda o frio da alma.

    O frio consegue dissipar o calor da sua? a minha pele acontece em chamas, a minha alma arde.

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  3. A alma certamente queima. Tanto como fogo, ou como frio, que queima mais lento e cruelmente.
    Mas o corpo é matéria, é limitado, é espaço e não possibilidade. E a natureza põe nossos corpos nos limites porque, em termos de matéria, de espaço, ela é muito mais poderosa que nós - que no corpo não somos mais que uma extensão dela.

    A ausência talvez dê a medida exata da presença. Pelo espaço deixado dá para saber o tamanho do todo, da soma de todas as partes da coisa.
    Então não que precisemos, mas o frio faz um bom serviço em supervalorizar o aconchego.
    Ou a gente é bicho ruim mesmo e tem de perder para dar valor, no popular, afinal.

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