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sexta-feira, 29 de junho de 2012

Emelianenko vs. Zangief | brutalidade_delicadeza

Jamais conceberíamos Minotauro, Royce Gracie, Jon Jones, CroCop, Wanderley Silva, Tim Sylvia, Anderson Silva, Mark Coleman, Ricardo Arona, Cigano ou qualquer outro lutador famoso empunhando um lápis para desenhar um cândido esquilinho. Pois o homem que em seu auge vencera (ou no meu prognóstico indubitavelmente venceria) todos eles, o maior lutador de MMA da história, fê-lo, como vemos na imagem à esquerda. Ele usa as mesmas mãos outrora autoras de ataques brutais para expressar delicadamente seu espírito sereno.  

O gordinho de olhar cabisbaixo transformava brutamontes musculosos em sacos de pancada, substituía a marra por humildade, nunca se curvou para Dana White, tinha uma rotina de treinos que desprezava a tecnologia avançada do esporte. E era como uma convergência dos clichês de vítima no colégio numa grande vingança contra os valentões com casacos de capitão (à maneira da reação épica e libertadora do Casey Heynes, o Zangief Kid).

A sua excentricidade justamente num dos campos de mais fácil aplicação de clichês, o dos lutadores, prova que era uma bênção (e como todo grande dom nato também uma cruz a carregar, extravasar) sua capacidade de resistir, reagir, machucar: Emelianenko era lutador por causa da luta, era lutador dentro do ringue, era artista por causa de sua arte (que, como a de qualquer gênio, deixa de levar adjetivos, deixa, no caso dele, de ser marcial, como a visual deixava de ser só visual para Da Vinci, ou mesmo como o automobilismo deixava de ser somente carro e tempo para Senna): não tinha escolha, tão maior o ofício em relação ao seu executor. Associo o russo muito a Pelé, pela formatação de seu dinamismo (equilíbrio clássico que faz com que, pela falta de contraste, nenhuma característica se torne especialidade, mas estejam todas à altura dos especialistas) e a J. S. Bach, pela maneira de enfrentar a criação (sua arte) como uma engenharia, coma a busca de uma maneira correta, e, portanto, uma solução rápida, eficaz, limpa – e finalmente nisso também o associo a um tigre e ao seu caçar: silencioso, sumário, prático (mas não por isso menos magnífico). [Se quiser, vide pág. 234 de VÁ.pdf#-1]

Ele não olhava nos olhos do adversário na palestra pré-touch gloves do árbitro. Terminava a luta e a primeira coisa que fazia é ver como está (como deixou) o adversário, para logo após cumprimentar a sua equipe. Sem bater no peito, sem intimações. Se pudesse acabar uma luta e ir embora, provavelmente faria isso.

Constantemente revejo suas lutas – tenho todas salvas em casa (estas novas obras de arte que existem somente desde o século passado: os momentos gravados), o que me permite retraçar seu caminho, os episódios de seu surgimento e consagração. Soa engraçado rever a sua luta contra Heath Herring, ouvir os narradores americanos aos 6:25 do 1º round dizer que ambos mereceriam o cinturão, momento exato em que Herring sofre uma das tantas brutais investidas de Fedor, as quais culminaria na eliminação do oponente (então favorito) por nocaute técnico. É engraçado ver os caras do Sportv dizendo que "o russo não é bom na trocação" na luta contra Arona (bem menos equilibrada do que parece), e os brasileiros pensando ele ser somente um coadjuvante (pois bem capaz que um gordinho com cara de bom moço ganharia do típico pitboy-surfista-saradão-com-cara-de-mau).
A descrença, a necessidade de provas para que underdogs se projetem, fazem parte do projeto, são o pano de fundo ideal para nos impressionarmos com um fenômeno.



Página de uma história em que Fedor enfrentaria Zangief.
 Há diversos momentos clássicos em highlights do Youtube, como a kimura aplicada em Kevin Randleman logo após sofrer um duro pilão. Mas nada como acompanhar uma luta completa e ter a noção de todos os aspectos que envolvem um combate. E um dos maiores já presenciados foi quando ele conquistou o cinturão de pesos-pesados do Pride: chega a dar pena de Antônio Rodrigo “Minotauro” Nogueira, nada mais que um gigante de mais 1m90cm e 100kg, especialista em Boxe, Jiu Jitsu e Judô*, uma lenda viva das lutas, que fica com um olhar de olhos negros de cachorro após a histórica luta de 16 de março de 2003, arrancando lágrimas de uma espectadora, tamanha moléstia sofrida pelo então campeão (embora a luta tenha sido bem mais equilibrada do que parece – em verdade, esta foi a maior luta que eu já vi e, se tivesse mais segurança (adquirida por uma audiência mais intensa) para afirmar, poderia dizer que foi a maior luta do Pride, e talvez a maior de todos os tempos do MMA (claro que há clássicos primordiais como todas de Royce Gracie no UFC I e II, além de lutas que foram protagonizadas pelo russo e pelo brasileiro contra outros adversário, como CroCop vs. Fedor, Minotauro vs. CroCop, Minotauro vs. Sapp etc., mas o confronto da explosividade de Fedor com a incrível resistência de Minotauro, que consegue quase encaixar uma finalização logo após seu pior momento na luta, no final do primeiro round, quando acabara de ser atropelado por Fedor, e a ousadia de Emelianenko em trabalhar quase o tempo inteiro na guarda ardilosa do nosso grande ídolo brasileiro proporcionaram um espetáculo da arte de lutar, uma lição a ser vista por todos)).

A primeira derrota efetiva de Fedor (passou mais de uma década invicto entre os pesos pesados, categoria onde os cinturões costumam passear bastante) foi condizente com a sua simplicidade; contra o gaúcho Fabrício “Vai Cavalo” Werdum, meio “o que aconteceu? Já acabou? O Fedor perdeu? Assim?”. Foi na luta seguinte, porém, que o Último Imperador realmente caiu. Apesar de Pezão ser brasileiro (como eu), apesar de ele ser do jiu jitsu (como eu), eu estava do lado contrário da minha vizinhança. E ver Fedor apanhar não foi somente como ver o Grêmio perder – quando um time queda, há uma torcida unida se confortando –, foi como ver um amigo apanhando sem poder fazer nada. Nunca mais revi a luta. Esportivamente foi uma das minhas maiores tristezas. E como não sei se tristeza diferencia tipo, fiquei triste à época. Ou, para ser mais universal, foi como assistir à queda de um leão que fora soberano e se depara pela primeira vez com a submissão, donde começa a perder seu bando (e função) para se tornar um solitário errante e deixar a glória no passado.

Emelianenko tentando encaixar a chave de pé no Antônio Silva sem projetar uma mínima ameaça lembra o boi velho do Simões Lopes Neto ajeitando, moribundo, a cabeça no carretão.

No último dia 21, sem alarde no Brasil, onde o assunto era a quase luta Wanderlei vs. Belfort e o confronto de seus discípulos oriundos de um Reality Show (relativamente à massa, a Globo ainda determina, apesar da internet, boa parte de nossa história e mainstream (a história viva?), por isso de um grande cantor Roberto Carlos virou Rei, por isso de um grande humorista Chico Anysio virou “O maior humorista”), Fedor Emelianenko, um atleta lendário, do nível de Ali, Pelé, Senna, Federer, Comaneci, Jordan, Plushenko, Slater e (uns poucos) outros, aposentou-se.
Quando descobri seus desenhos, inda lá em 2009, alegrei-me de saber que no dia que encontrá-lo teria um assunto, além do signo solar Libra em comum e submission, para falar com ele, e dar-lhe umas dicas para se aperfeiçoar nas suas incursões gráficas.


*quando escrevi a base deste texto, Minotauro ainda não era tão popular para o público leigo quanto é agora, então a apresentão não era dispensável.

Mais alguns esboços de história de Fedor vs. Zangief: 







 




Zangief versão primo do Brutus (Popeye)



E outros desenhos do lendário russo:

  

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